Logo nos primeiros anos da expansão marítima, os portugueses recrutavam africanos feitos escravos, que após libertos, eram freqüentemente utilizados como tropas auxiliares, desde do território português em Macau ao Brasil. No Brasil se destacou o relevante papel dos Terços de Homens Pretos e Mulatos, comandados pelo negro Henrique Dias durante a insurreição Pernambucana,
Gustavo Barroso escreveu que: “Henrique Dias se [cobriu] de glória à frente de seu terço de pretos, durante mais ou menos dois séculos, existiu no Exército do Brasil uma formosa tradição: terços e, depois, regimentos, em Pernambuco, na Bahia, no Rio, em Minas, de caçadores a pé das milícias, com fardas brancas paramentadas de vermelho, compostos unicamente de negros e intitulados Henriques ou Caçadores-Henriques"
Não se sabe quando Henrique Dias nasceu. Sabe-se apenas que é pernambucano e que foi por volta de 160046. “Sua participação na luta contra o invasor remonta, possivelmente, a 1630, mas somente três anos depois é que seu nome começa a aparecer com frequência nas crônicas dos combates”, quando se presentou a Matias de Albuquerque, em 1633, “para servir com alguns de sua cor em tudo o que lhe determinasse”, tornando-se o capitão desse grupo e recebendo a patente de Governador dos crioulos, negros e mulatos do Brasil.
Lúcia Gaspar, em suas pesquisas sobre Henrique Dias aponta que: “Sua primeira ação militar foi a defesa do Engenho São Sebastião, quando contou com a ajuda de vinte negros e de outros capitães, e onde recebeu o primeiro dos seus 24 ferimentos lutando contra os holandeses. Num desses ferimentos sua mão esquerda teve que ser amputada. "Continuou a lutar assim mesmo, asseverando que para defender sua terra bastava ter u’a mão "
Os negros de Henrique Dias afirmaram-se cada vez mais junto aos portugueses pela valiosa colaboração militar que prestavam para a libertação do Brasil do domínio Holandês. Em 1647, Henrique Dias recusou-se a cooperar com os holandeses e respondeu-lhes em carta, como parte da Guerra Psicológica, então travada, antecedente à Ia Batalha dos Guararapes: "De quatro nações se compõe meu regimento: MINAS, ARDAS, ANGOLAS e CRIOULOS. Os últimos são tão malévolos que não temem nem devem. Os MINAS tão bravos que aonde não podem chegar com o braço, chegam com o nome. Os ARDAS tão fogosos que tudo querem cortar de um só golpe e os ANGOLAS tão robustos que nenhum trabalho os cansa". Segundo Gilberto Freyre: "Os Ardas ou Ardras eram gegesou daomeanos do antigo reino da Ardea, os Minas, nagôs; os Angola apenas bantos."
Os negros, escravos ou livres, tiveram destacada atuação nas duas batalhas de Guararapes de 18 abril de 1648 e 18 de fevereiro de 1649. Não só integrando o terço de Henrique Dias, como os de João Fernandes Vieira e Vidal de Negreiros, nos quais eram numerosos e predominantes.
Em reconhecimento ao decisivo papel desempenhado pelos bravos de Henrique Dias para o despertar dos espíritos do Exército e de Nacionalidade Brasileira, até a Independência foi mantida a tradição dos Regimentos dos Henriques, unidades compostas de oficiais e soldados negros, "consagração da raiz negra das Forças Armadas do Brasil".
Unidades com este nome foram organizadas em Pernambuco, Bahia, Minas e Rio de Janeiro. Alguns desses homens da Bahia, Minas e Rio de Janeiro se fizeram presentes na pacificação de rebeliões e novas conquistas territoriais como o capitão Domingos Roiz Carneiro o primeiro a derrotar o lendário Zumbi dos Palmares em combate e o Alferes Julião Ribeiro dos Santos líder do combate ao Quilombo do Piolho, na época o maior dos Quilombos da Região Centro Oeste do Brasil
Estiveram presentes no Rio Grande, em 19 de fevereiro 1737, por ocasião da fundação oficial portuguesa do Rio Grande do Sul, pelo brigadeiro José da Silva Paes, e posteriormente em sua defesa, na guerra 1763-77, provenientes de Pernambuco e Rio de Janeiro.
A Infantaria dos Henriques era muito temida pelos espanhóis e preferida por chefes portugueses. Segundo Jordão Emerenciano, todo o general que viesse de Portugal ao Brasil para comandar uma operação militar, fazia questão de contar com a valorosa Infantaria de Pernambuco, constituída em grande número de Henriques, ou embalada por suas tradições. Daí a expressão "gaúcho a pé e pernambucano a cavalo" e vice-versa. A primeira para designar o infante pernambucano, e a segunda para designar o cavalariano gaúcho. Ambas expressões traziam em seu bojo o reconhecimento recíproco do valor da brava Infantaria pernambucana, forjado na luta durante 24 anos com o invasor holandês, e o da intrépida Cavalaria gaúcha, forjada na luta contra o espanhol e seus descendentes no Prata.
O cargo de mestre de campo foi exercido por negros livres e libertos tão somente na América portuguesa. O fato de a monarquia portuguesa agraciá-los com essa função social de prestígio decorria principalmente da óbvia e profunda distância social, militar, econômica, demográfica e intelectual entre esse império colonial e seus congêneres do mundo atlântico. O império português era, entre todos os impérios coloniais da era moderna, o mais frágil, bem como o mais carente de recursos humanos para fazer face às suas necessidades de defesa, mormente ao longo dos turbulentos anos que vão de fins do século XVI a meados do século seguinte.
Alguns deles receberam hábitos de cavaleiros do Reino Português no século XVII: o baiano Manuel Gonçalves Doria, em 1647, respectivamente Henrique Dias (1657-1669), Antônio Gonçalves Caldeira (1669-1686) e Domingos Rodrigues Carneiro (1694-1725) e Amaro Cardigo
No século XIX os terços se transformaram em Regimento dos Caçadores Henriques, criados após a fundação do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves. Participaram da conquista da Província Cisplatina em 1816 e no combate a Revolução Pernambucana em 1817. Boa parte da tropa dos regimentos Henriques apoiaram Dom Pedro I após a proclamação da Independência do Brasil em 1822, e foram renomeados de “Batalhão dos Henriques da Corte” pelo Imperador, e participaram da Guerra da Independência da Bahia em 1823 e da Guerra da Cisplatina em 1825.
Fonte: Kalina Vanderlei Silva, “Os henriques nas vilas açucareiras do estado do Brasil: Tropas de homens negros em Pernambuco, séculos XVII e XVIII,”/ MILITARES NEGROS NUMA SOCIEDADE ESCRAVISTA Francis Albert Cotta
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