No Séc. XVI a presença de “aventureiros” Portugueses já se fazia notar no Perú, graças ao relevante e bem-sucedido desempenho destes nas mais variadas actividades a que se dedicavam, desde as de marinheiros a comerciantes, religiosos, mineiros, agricultores e inclusive aqueles que se dedicavam ao transporte terrestre.
Com efeito, ao longo dos Séculos XVI e XVII, inúmeros foram os Portugueses que se destacaram nas mais díspares actividades em que se empenhavam
O Comércio de Lima era dominado pelos comerciantes Lusos por cujas mãos passavam a totalidade das mercadorias desde as mais modestas ás mais requintadas.
Os Portugueses eram então “senhores da terra”, tendo tal situação em poucas décadas redundado na sua prosperidade e consequente crescente importância no contexto comercial e social de Lima, levando ironicamente contudo tal circunstância mais tarde (a partir de 1635) á sua destruição por parte das autoridades Espanholas que já encaravam com preocupação todo esse protagonismo que a colónia Lusitana já evidenciava na região.
A destruição da próspera colónia Lusa começou a esboçar-se quando em 1635 sob o imaginoso e inexistente mas muito conveniente pretexto de conspiração, as autoridades Espanholas de Lima, através da acção da inquisição devidamente “secundada” pelo Vice-Rei, o Conde de Chinchón, encarceraram a maioria desses Portugueses tendo-lhes paralelamente confiscado todos os seus bens, neutralizando desde então drasticamente dessa forma a influência que estes exerciam na cidade
Se essa presença Portuguesa no Perú nos séculos XVI e XVII foi consequência do desempenho exercido por particulares, ou seja indivíduos desprovidos de qualquer vínculo oficial com a Coroa Portuguesa, o mesmo já não se poderá afirmar relativamente ao que sucedeu nos séculos seguintes quando as intervenções em território Peruano foram fruto da iniciativa das autoridades Portuguesas como se irá constatar.
Como é do conhecimento comum, em 1506, a fim de sanar potenciais conflitos entre Portugal e Espanha pela disputa territorial do Novo Mundo (Américas), havia sido aprovado pelo Papa Júlio II uma linha de demarcação imaginária estabelecida pelo tratado de Tordesilhas celebrado entre a Coroa de Portugal e a de Espanha que visava dividir o Mundo "descoberto e por descobrir" fora da Europa por ambas as Coroas.
Embora nesse Tratado, ficasse estipulado que a Portugal pertenceriam “somente” as terras descobertas ou por descobrir situadas antes da linha imaginária que demarcava a partilha situada 370 léguas a Oeste das ilhas de Cabo Verde…… e á Espanha as restantes, ou seja, as que se situassem além dessa linha…… tal circunstância não impediu que mais tarde os Portugueses se coibissem de expandir o seus territórios para Oeste da dita linha demarcatória tal como se veio a verificar.
Essa expansão para Oeste abarcou essencialmente um imenso território presentemente incorporado no Brasil mas durante uma fase desse período também abrangeu territórios actualmente integrados em países Hispano-Americanos da América do Sul como foi o caso no Perú.
O território que actualmente compõe o Perú, situa-se inequivocamente a Oeste do meridiano outrora “traçado” que se localiza 370 léguas a Oeste das ilhas de Cabo Verde e por conseguinte na área então atribuída aos “Castelhanos”.
Porém, embora esse Tratado de Tordesilhas traçasse uma fronteira geométrica simples entre os territórios Portugueses e Espanhóis na América do Sul, na prática tornava-se impossível definir com rigor o limite de toda essa fronteira “virtual” dado o vasto território da Floresta Amazônica até aí inexplorado pelos Europeus, razão pela qual os mapas da época apenas exibiam os principais estabelecimentos Portugueses e Espanhóis mais confinantes
Essa indefinição territorial acabou por criar espaços de limites indeterminados nas fronteiras que dividiam as possessões Portuguesas das Espanholas no Novo Mundo tendo anos mais tarde ocasionado desentendimentos e conflitos entre as coroas Ibéricas e seus representantes em territórios raianos Sul Americanos da Amazónia sobretudo quando os Portugueses começaram a expandir os seus territórios para Oeste da dita linha demarcatória pactuada no Tratado das Tordesilhas.
A então expansão dos Portugueses por territórios presentemente integrados no Perú incidiu essencialmente na Provincia de Maynas onde ao longo de aproximadamente dois séculos (XVII e XVIII) assistiu-se á sua intervenção neste território Peruano.
O território correspondente á provincia de Maynas no Perú, situa-se a leste da Cordilheira dos Andes e era no século XVI, uma região de selva inóspita e distante dos então principais “assentamentos” coloniais Espanhóis como Quito, Santa Fé, Cuzco, Popayán ou Lima.
A região era densamente povoada por indios “hostis”,que ainda não haviam sido “doutrinados” pelos Europeus e que constituíam uma ameaça constante aos poucos Espanhois que eventualmente quisessem aventurar-se tentar colonizar aquelas terras, pelo que esse território permanecia naquela época praticamente desconhecido das autoridades Espanholas da América do Sul
Por isso, embora possuísse produtos naturais susceptíveis de serem comercializados como algodão, cacau, tabaco, canela etc e estivesse incluída numa estrutura político-administrativa do império colonial Espanhol, (era uma jurisdição da Audiência de Quito que, por seu turno, estava subordinada ora ao Vice-Reino de Nova Granada, ora ao Vice-Reino do Perú.) a sua localização geográfica não favorecia o escoamento dessas produções que necessitariam de percorrer um longo e sinuoso caminho pela selva, rios e montanhas até finalmente poderem alcançar os polos comerciais mais próximos (Lima e Quito), pelo que Maynas nunca se “assimilou” economicamente às restantes áreas do império Espanhol.
Contudo, embora as autoridades imperiais em Madrid revelassem pouca atenção “áquelas terras” devido às dificuldades enunciadas, tornava-se no entanto imperioso ocupar e defender aquele território de fronteira com o império Português, além de que um dos compromissos dos monarcas Ibéricos era a obrigatoriedade de evangelizar todas estas terras de “infiéis” ou “pagãos” que habitassem nos territórios conquistados.
Nessa conformidade foi elaborado um plano de ocupação missionária para a região que contou com a presença de missionários da Companhia de Jesus.
A consolidação da presença territorial missionária através da fundação de missões de Jesuítas veio a desempenhar a tripla função de colonizar, evangelizar e de defesa de fronteiras ao serviço das autoridades coloniais Espanholas nessa região .
Naturalmente que não podemos afirmar que os Jesuítas asseguravam a defesa militar das fronteiras, visto não serem soldados nem contarem com tropas ao seu dispôr para tal efeito mas faziam-no através de estratégias que extrapolavam essa necessidade.
Na prática, a estratégia Jesuíta delineada para as missões de Maynas estabelecia uma série de intervenções estruturadas segundo as quais os missionários construíam um povoado e mantinham-no, obtendo por conseguinte o reconhecimento do mesmo como sendo Espanhol e Jesuítico.
Porém, a funcionalidade desse modelo só se tornava viável com a "adesão" das várias tribos de Indios que se encontravam dispersas por esse imenso território, pelo que a agregação com sucesso desses indígenas em comunidades doutrinadas pelos religiosos assumia um aspecto fundamental para legitimar a ideia de que esses territórios já estavam devidamente colonizados e por conseguinte efetivamente subordinados á autoridade da coroa Espanhola.
Conscientes dessa estratégia e a fim de impedir a fundação e consequente expansão desses “Pueblos” para Oriente nomeadamente para territórios sob a sua influência, os Portugueses reagiram com o intuito de travar esse avanço da soberania Espanhola consubstanciado através dessas fundações de reduções de Indíos tuteladas pelas missões Jesuítas, tendo por conseguinte não só travado tal expansão como inclusive havendo-a retrosseguido significativamente para ocidente.
A reacção dos Portugueses para neutralizar o sucesso de tais tentativas de colonização Castelhanas, consistiu em invadir o Perú, desmantelar algumas missões através da captura das respectivas populações Indígenas que eram levadas para o Brasil ou noutros casos tomando a Missão e substituindo os respectivos missionários Jesuítas cujos comportamentos inequivocamente se revelavam vantajosos aos interesses da coroa Castelhana e por conseguinte hostis aos Portugueses, por religiosos de outras ordens favoráveis aos Portugueses, nomeadamente os Carmelitas.
Foi nessa conformidade, que nessa época os Portugueses apoderaram-se de territórios situados no actual Perú o que naturalmente originou o protesto do lado Espanhol, principalmente por parte das Missões Jesuítas Espanholas que despojadas de “seus” territórios pelos Portugueses, invariavelmente ainda invocavam o Tratado das Tordesilhas para alegar (e com razão!) que estes estavam invadindo território pertencente á Coroa Espanhola e se expandindo perigosamente para Oeste acercando-se cada vez mais dos importantes núcleos populacionais e económicos do então Império Espanhol da América Meridional entre os quais se citava Lima, pretendendo provavelmente com essa alerta estimular uma “musculada” reacção militar por parte das autoridades Coloniais Espanholas que levasse de vencida essas incursões dos Portugueses o que nunca se concretizou.
Já em finais do século XVII os Portugueses tomaram San Joaquín de Omáguas em Loreto no Peru
Perante a denuncia e protesto dos Jesuítas, os Portugueses legitimaram tal acção alegando a reforma do pensamento jurídico que legitimava a posse de um território que a partir do século XVI havia passado a fundamentar-se no acto jurídico de “occupatio” em detrimento do “argumento” de “descobrimento” que vigorava aquando da assinatura do Tratado de Tordesilhas
Quer se tratasse de meras estratégias afim de reivindicar a posse dum território, invocando os fundamentos que mais convinha a cada uma das partes interessadas, quer se tratasse de um real desconhecimento da realidade visto na época ser difícil reconhecer com rigor as fronteiras na Região de Maynas, o certo é que ao longo do século XVIII mantiveram-se as tensões, discussões, conflitos entre Portugueses e Espanhóis relativamente á disputa, ocupação e soberania de territórios situados nessa região do Perú tendo então os Portugueses invariavelmente levado sempre a melhor conforme se pode constatar pelos então relatos / protestos dos Jesuítas que reportavam frequentes actos de posse por parte dos Portugueses em territórios Peruanos como por exemplo quando em 10 de Dezembro de 1707, uma esquadrilha Portuguesa a mando das autoridades do Pará, capitaneada por José Pinheiro Marques tomou Nuestra Señora de Las Nieves de lo Yurimaguas ou no momento em que o Jesuíta Espanhol responsável pelas missões de Maynas, o Padre Juan Baptista Sana recebeu em 1709 uma visita de um destacamento Português comandado pelo Cabo Inácio Correia exigindo a retirada imediata dos padres daqueles territórios (desde o Marañon ao Napo), ameaçando levá-los presos caso a ordem não fosse acatada alegando que todos aqueles territórios até ao porto de “Santa Rosa” pertenciam aos Portugueses, por via da posse para a coroa Portuguesa que o Capitão Português Pedro Teixeira havia tomado no século anterior.
Para legitimar a posse daqueles territórios em Maynas, os Portugueses invocavam a audaciosa expedição de conquista Portuguesa liderada pelo intrépido Capitão-Mor Pedro Teixeira, que seguindo as ordens de Jácome Raimundo de Noronha (Governador e Capitão do Maranhão e Grão Pará) partiu em 1637 do Pará rumo a Quito (explorando por conseguinte no seu decurso, território Peruano) a fim de expandir os domínios dos Portugueses e fundar aquém dos Omágua, em terras localizadas entre o Juruá e o Napo uma povoação que marcasse no Amazonas o limite do território pertencente á coroa Portuguesa .
Posse essa, que foi parcialmente “consolidada” quando mais tarde, após uma expedição de reconhecimento de um destacamento Militar Português, comandado por Belchior Mendes de Moraes ocorrida em 1731/1732, os Portugueses ergueram um forte na Foz do Rio Napo, localizado no interior do actual Perú
A edificação desse forte Português na foz do Rio Napo em pleno território Peruano não pode contudo ter qualquer relação com as fortalezas Portuguesas que misteriosamente são assinaladas em território Inca que situava-se no actual Perú conforme está representado no Mapa incluso no Tratado de Marinharia (ou Livro de Marinharia) de João de Lisboa, de 1514. (Mapa anterior á conquista do Império Inca no Perú por Pizarro em 1535).
Incógnita extraordinária essa que nenhum historiador / investigador logrou justificar até ao presente, pois não se crê que haja qualquer relação entre este fabuloso enigma e a assombrosa expedição do intrépido Português Aleixo Garcia que no verão de 1524 partiu do “Porto dos Patos” situado na costa de Santa Catarina, no Brasil com um punhado de outros Portugueses á frente de um “exército” de 2000 homens (dos quais a maioria esmagadora eram Ameríndios) rumo ao Alto Perú, tendo lá combatido os Incas numa época em que reinava “Huayna Capac” e por conseguinte “reivindicado” para si a glória (pouco divulgada) de ter precedido Francisco Pizarro como o primeiro Europeu a descobrir, contactar e combater os Incas, mas que contudo, que se tenha conhecimento, nunca chegou a pisar o actual território Peruano no decurso dessa sua Épica expedição e por conseguinte não foi ele o responsável por qualquer edificação de fortalezas em terras Incas situadas em território que actualmente compôem o Perú.
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