Kafka e a boneca viajante



Kafka está bem doente. Pressente a morte. Vive em Berlim. Passeia por um parque. Encontra uma menina que chorava copiosamente. A menina havia perdido uma boneca. Estava inconsolável. O escritor procura acalmá-la, afirmando que a boneca não estava perdida. A boneca, teria afirmado o escritor, estava viajando. A menina que ficasse tranquila. Viajantes enviam cartas. O escritor explicou que era um carteiro e que certamente entregaria (no dia seguinte) cartas escritas pela boneca viajante.

As cartas começam a ser entregues. Kafka descrevia as viagens, as descobertas, os medos, e todo o fascínio que lugares distantes e diferentes podem nos provocar, especialmente em uma boneca que saia de um estado não vivente para um estado surpreendentemente cheio de vida. Era quem escrevia pela boneca. 
Enquanto a vida do escritor chegava ao fim, a boneca ganhava vida, apaixonava-se por um soldadinho de chumbo. A menina renascia, superava um conflito com o pai, que a abandonou. Há uma fina trama psicológica, marcada por lances de humor, que dá o pano de fundo à narrativa, que se sustenta também na permanente referência aos demais livros de Kafka.

Na medida em que Kafka vai morrendo, a menina, a boneca e o delírio delicioso de viver vão se acentuando. O final é emocionante. Um livro para ler bem devagarzinho, porque, ao fim, dá vontade de ler de novo, ou de não ler mais nada.

“Kafka e a boneca viajante” é uma comovente estória que nos lembra a brevidade da vida, a intermitência da morte (título de um outro belíssimo livro do Nobel português), e os poderes de cura, redenção e salvação, todos contidos nessa linha imaginária e real que liga quem escreve e quem lê.

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